terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

"We aren't robots"

Por cá já vamos estando habituados ao circo montado à volta dos desportistas. Em alguns casos já pouco separa a vida profissional e pessoal dos atletas, e em nenhum sítio tão pequena é essa separção como nos EUA. Os patrocinadores pagam bem para propagandear as personalidades dos seus jogadores, chamando a atenção para eles e fazendo com que os fãs se identifiquem com eles e se tornem cada vez mais leais. Esta abertura permite-nos uma melhor compreensão do que é preciso para ser um grande atleta, e as histórias inspiram milhares de pessoas. Mas com o bom vem o mau. Os jogadores passam cada vez mais tempo expostos; antes de entrarem em campo respondem a perguntas e assim que saem respondem novamente. Às vezes são entrevistados ao intervalo! No dia seguinte, em vez de treinar, têm um shoot publicitário, ou as filmagens para um documentário sobre a sua história pessoal. E alguns começam a chegar ao limite da paciência.

Depois de mais uma pergunta sobre a presumida fragilidade do lugar de Scott Brooks enquanto treinador dos Oklahoma City Thunder, uma das estrelas principais da equipa, Kevin Durant, foi curto e grosso com os jornalistas: "You guys really don't know shit". Mais tarde perguntaram-lhe em que tipo de questões preferia que os media se focassem. Mais uma vez a resposta não foi a que se estava à espera: 

"To be honest, man, I'm only here talking to y'all because I have to. So I really don't care. Y'all not my friends. You're going to write what you want to write. You're going to love us one day and hate us the next. That's part of it. So I just learn how to deal with y'all".

Kyle Terada - USA Today Sports




As críticas e respostas duras de Durant aos jornalistas aparecem pouco tempo depois de outra cena semelhante: Marshawn Lynch recusou várias vezes responder aos jornalistas durante o fim-de-semana do Super Bowl, dizendo que preferia concentrar-se no jogo. E com toda a razão.



Esta foi a primeira, em que apenas disse durante toda a entrevista "I'm here so I won't get fined".


Na segunda entrevista a resposta foi "You know why I'm here". Acho piada ao engraçadinho que, no fim, manda a boca de que ainda faltam uns segundos para acabar a entrevista. Tem piada, mas mostra que ele não percebeu realmente o porquê do protesto.

Eventualmente Lynch acabou por dar alguma resposta aos jornalistas, explicando que não queria dizer nada aos jornalistas para não deturparem o que diz, que queria concentrar-se no jogo e na sua família. Continuaram a fazer-lhe perguntas sobre multas da liga sobre o seu comportamento e equipamento fora das regras e ele voltou ao silêncio e às respostas vagas. 

Ainda há pouco tempo o Cristiano Ronaldo recebeu críticas aos montes por ter celebrado o seu 30º aniversário no dia da derrota do Real no derby de Madrid por 4-0. Numa festa marcada com antecedência e com a presença dos familiares que voaram de Portugal. Se calhar as críticas não foram pelo facto de a festa ter acontecido, mas porque o Ronaldo estava alegre e a cantar durante essa festa. Mas o que é que nós temos a ver com isso? É claro que ele estava contente, era a festa de anos dele! Estava rodeado de amigos e a última coisa em que ele queria pensar era na derrota. O Cristiano Ronaldo é conhecido por ser um dos desportistas mais dedicados do mundo e é incrível a pressão a que foi sujeito - por ter feito algo que apenas diz respeito à sua vida pessoal - ao ponto de ter vindo pedir desculpas aos adeptos (uma coisa que não combina bem com a personalidade de Ronaldo, que costuma estar bem com a sua consciência em relação às suas acções mais polémicas).



O que acontece é que, tanto sponsors como jornalistas e adeptos, por darem tanto das suas vidas e do seu dinheiro para fazer do desporto o que ele é hoje, sentem-se no poder para mandar nas vidas de quem está dentro de campo. Ou que sabemos mais sobre eles do que eles próprios. Depois da entrevista inicial ao Kevin Durant, ele explicou o porquê de ter tido uma atitude diferente da que costuma ter: 

"My first few years in the league, I was just finding myself. I think most of the time, I reacted based off of what everybody else wanted and how they viewed me as a person. I am just learning to be myself, not worrying about what everybody else says, I am going to make mistakes. I just want to show kids out there that athletes, entertainers, whoever, so-called celebrities, we aren't robots. We go through emotions and go through feelings and I am just trying to express mine and try to help people along the way. I am not going to sit here and tell you that I am just this guy that is programmed to say the right stuff all the time and politically correct answers. I am done with that. I am just trying to be me and continue to grow as a man."

A resposta dos media foi o mais assustador. Atribuíram esta frustração ao facto de Durant estar a ter um ano mau (dizem eles, porque ele voltou a fazer parte do jogo dos All-Stars), ou às lesões, ou a tudo e mais alguma coisa, recusando-se a aceitar a verdade: Durant está farto de ser exposto, de ouvir perguntas idiotas ou vazias de conteúdo, de ser mal interpretado e criticado. Durant foi várias vezes apelidade de "Sr. Inconsistente" pelos jornais, apesar de ter sido titular na equipa de All-Stars 5 anos consecutivos.

Os desportistas, tal como todas as outras figuras públicas que passam por este escrutínio, são tão humanos como nós. Muitos deles começam a ser alvo de críticas duras e intromissões à sua vida pessoal bem antes de terem uma personalidade convicta e uma confiança estável. E dinheiro nenhum no mundo dá a quem quer que seja o poder para limitar a liberdade destas pessoas. É verdade que há interacções positivas entre jornalistas e atletas, adeptos e atletas, e até patrocinadores ou patrões e atletas. Casos em que toda a gente fica a ganhar. Por isso, quando Durant diz que não lhe interessa que perguntas lhe fazem talvez esteja a ser injusto e a prejudicar a sua própria causa. Mas isso é o que acontece quando a frustração e os golpes à liberdade atingem o limite de cada um. Durant fechou-se aos jornalistas.

Kevin Durant foi o MVP da liga na época de 2013-14. Isto é parte do seu discurso de aceitação do prémio:



É claramente um momento emocional e importante na carreira do jogador, e o momento tem um peso quase solene. Mas a frase "You da real MVP", dirigida à sua mãe, passou a piada nas redes sociais. E essa apropriação às vezes tem mesmo piada. Mas outras é só uma exposição gratuita de algo que é considerado uma fraqueza numa estrela. O momento poderia ter ficado para a história como uma demonstração profunda de carinho e emoção, um exemplo para quem admira o jogador, mas acabou em gozo.

"I was like, man, that was a real emotional moment for me, and you making a joke about it! Like: Damn. Y'all don't really believe in shit. You don't have no morals or nothing. You don't care about nothing but just making fun. I was serious as hell saying that, you know what I'm saying?"





sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Os Jogos do Sério - Futebol Americano

No segundo número d'Os Jogos do Sério temos o "meu" desporto: Futebol Americano. Claro que a análise se foca mais no campeonato norte-americano, mas há coisas que servem também para os que se juntam a mandar umas bolas.



Watchability (isto é divertido de ver?): 7
Para ver ao vivo, é preciso que haja um ambiente incrível, caso contrário as interrupções frequentes podem tirar a pica do jogo. Ver pela televisão é bastante melhor porque os highlights  e as análises dos comentadores, cheias daqueles gráficos bonitos que os americanos usam, tornam a coisa muito mais fluida. O desporto em si é dos mais capazes de nos fazer saltar e berrar, e todo o espectáculo montado para cada jogo (e não é só na NFL, qualquer encontro da liga universitária americana tem milhares de pessoas a fazer um festão), ajuda a manter o ânimo. As regras básicas são fáceis de aprender, mas há muitas regras pequenas que nos deixam sem perceber algumas decisões dos árbitros. Aconselho que se veja com um grupo de amigos porque as reacções dos outros são do melhor.




Jogabilidade (isto é divertido e fácil de jogar?): 5
É bastante fácil de jogar, sobretudo porque existem várias funções em campo e cada uma tem um objectivo muito específico e limitado; por outro lado as pequenas regras e os playbooks são difíceis de entender à primeira. Além disso qualquer pessoa pode jogar, literalmente. Pequenos e grandes, mais ou menos atléticos, qualquer um tem corpo para o futebol americano. Na minha equipa temos gente entre os 55 e os 130kg, 1m60 e 2m. Divertido também é, porque existe sempre qualquer coisa que gostamos de fazer, desde o contacto físico dos linhas à velocidade e habilidade dos receivers. Mas é preciso gostar, ou pelo menos tolerar, o contacto físico duro e muitas pessoas desistem precisamente por isso. A repetição vezes e vezes sem conta das mesmas jogadas só serve para quem gosta de aperfeiçoar os mesmos movimentos e há jogadores que se cansam disso rapidamente.

Factor cool: 10
Tenho várias razões para este 10: o exotismo, as shoulder pads e capacetes - imagem de marca do desporto - e a espectacularidade das jogadas. Tudo isto conflui para criar um desporto com uma carga energética muito grande, associada a poderio e domínio físico num combate em campo.


Navigators vs Crusaders. A Liga Portuguesa de Futebol Americano está já na sexta edição

Handicap: -4
É preciso algum equipamento para jogar a sério. E o contacto físico é duro e não é para qualquer pessoa. As regrazinhas não ajudam nada a fluidez dos encontros e prejudicam tanto o espectáculo como a concentração dos jogadores.

FINAL SCORE: 18